Eu sou Vinícius de Moraes. Estaria completando 100 anos este ano se não tivesse morrido no dia 9 de julho de 1980. Vivi plenamente minha liberdade, casei-me 9 vezes e fui muito feliz nestes casamentos. Nunca me importei com coisas materiais, mas derramei a poesia sobre a vida e a vida sobre a poesia; vivi como um poeta. Lembro-me de minha mãe... Como tocava piano! Melhor que ela, só minha avó. Meu pai, ex professor de Francês, escrevia versos, mas nunca quis publicar nenhuma obra, escondia-as na gaveta. Eu, de vez em quando, procurava inspiração nos versos dele. Escrevi para Cacy, minha primeira paixão na escola, um poema de meu pai e mudei o último verso:
“Quantas saudades eu tenho De ti oh flor primorosa Quem em tudo és gentil e meiga Que em tudo és tão graciosa Oh quantas saudades quantas De ti meu bem lá se vão Como uma garça voando Cerrando o meu coração Se eu pudesse descrevê-lasOh quantas, quantas não sãoMas só de ti, são só tuasCacizinha do meu coracao.”
Assim sendo, minha paixão por mulheres começou muito cedo. Era o combustivel para colocar meus sentimentos no papel… Eram poesias e canções que tornaram-se famosas no Brasil e fora dele também. Nunca aceitei a vida se não estivesse em estado de paixão…
Minha religião era católica, mas por volta de 1970 me converti ao candomblé como filho de Oxalá, o orixá da criação. E aí me inspirei a cantar e a escrever os afro-sambas. Conheci, Toquinho, jovem músico de 24 anos, gostávamos das mesmas coisas, a música fluía no compasso do prazer de viver. Colocávamos a vida à frente da arte, e o cotidiano era a nossa maior fonte para a criatividade. Fizemos turnês pela Europa e compomos canções como Tarde em Itapoã, A tonga da Mironga do Kabuletê e Para viver um grande amor. Ah! A tonga... Toquinho e eu voltávamos da Itália. Era década de 70 e o Brasil vivia a plena Ditadura Militar, a censura em alta, a bossa em baixa. Nessa época, estava casado com com Gessy, atriz baiana que me ensinou a língua nagô. Ela ouviu a expressão no mercado modelo e nos falou que era um xingamento, então, tivemos a ideia de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa.
Em 9 de julho de 1980, com Toquinho no quarto de hóspedes e Gilda na nossa cama de casal, minha última mulher, decido tomar um banho de banheira na madrugada. É nesse inusitado leito que morro, aos 67 anos, de edema pulmonar.
Tantos amigos colecionei ao longo da vida, que foram até o velório prestar a última homenagem a mim. Apenas Tom Jobim não comparece. Nós tinhamos um trato de que um não iria ao velório do outro. Ele ficou em casa, cantando Soneto da Separação ("Fez-se do amigo próximo, distante/ Fez-se da vida uma aventura errante/ De repente, não mais que de repente").
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